Thursday, October 03, 2013

:: Entrevista com Keoma/Secondshell ::

Amigos e amigas da FGC Brasileira! Hoje venho postar uma entrevista que fiz por email com o Keoma Pacheco, mais conhecido apenas como Keoma ou Secondshell. O cara é um ótimo jogador de SSFIV, tem 24 anos e é natural de Porto Alegre (RS).

Resolvi entrevistar o cidadão, por já ter levado surra dele na Live PC (hehehehe) e porque o cara anda mandando muito bem nos torneios que participa. Este ano, por exemplo, ele ficou novamente em 3º lugar no Treta Aftermath (sendo que ficou na mesma colocação no Treta Armagedon, ano passado), sendo barrado apenas pelo Sakonoko (Japão) e Ryan Hart (Inglaterra).

Bom, chega de bla bla bla e vamos ao que interessa:



Comecemos com a pergunta mais polêmica de todas: Na tua opinião, quem é melhor Abel do Brasil, Keoma ou Secondshell? :P

Acho que os dois possuem características bastante similares no jogo neutro, mas a maneira que o SecondShell joga é um pouco diferente no que se trata do okizeme. SecondShell costuma correr riscos um pouco maiores na ofensiva, riscos que as vezes não se pagam tão bem quanto algumas jogadas mais safe. Além disso, a reação dele é um pouco mais lenta, assim como a paciência é um pouco menor.


Quando tu começaste nos fighting games e qual foi o game que deu início a esta carreira, digamos assim?

Meu primeiro contato com Fighting Games foi com Mortal Kombat II de SNES, por volta de 1994 ou algo assim (Lembro de ter 5 anos ou menos). A primeira vez em que tentei me informar e descobrir movimentos como Specials, Combos, Finishing Moves etc foi com Mortal Kombat III, também de SNES. Mas acho que meu jeito "try hard" de ser veio logo no primeiro e único jogo que tive por um bom tempo, Super Mario Kart, onde tive aquela clássica birra de criança que não consegue o que quer (no meu caso com a Special Cup, naquela ocasião), dizendo que ia desistir, etc. Meu pai, ao ver minha frustração (não sei se é certo dizer isso, eu era apenas uma criança, mas não consigo achar uma palavra melhor), parou na minha frente e bem sério me disse para nunca desistir. Esse foi um momento bem forte que é uma das razões da minha persistência (ou até obsessão) por tudo que tenho gosto em fazer.

A primeira vez que eu pensei em jogar um jogo em alto nível foi entre 2001 e 2002, com a série The King Of Fighters. Foi onde comecei a gastar horas em cima do Training Mode com combos e coisas do tipo. Quase todo o tempo livre naquela época foi dentro de fliperamas ou algo do tipo, mas como disse antes, eu sou completamente obcecado pelas coisas que me atraem. 


Pretende encarar outros games de luta competitivamente?

Ainda não sei ao certo. Eu gostaria, mas não sei se existe algum jogo que me permita treinar a sério como SF4, principalmente por ter oponentes para enfrentar. A cena por aqui (Rio Grande-RS) não é muito grande ou muito ativa, então para mim a única maneira de treinar contra outros oponentes é online ou com viagens não muito baratas. Além disso, não sei se eu conseguiria manter o jogo em SF4 ou ter um desempenho bom em outro jogo, talvez vá além da minha capacidade.


O interesse em jogar competitivamente foi algo que surgiu naturalmente, com o tempo, ou nasceu após assistir competições nacionais/internacionais?

Eu sempre fui uma pessoa competitiva por natureza, mas o que realmente fez eu enxergar a competitividade da maneira que enxergo hoje foram vídeos de torneios da Evolution. O primeiro contato que tive com esses videos foi justamente o EVO Moment #37, que fez eu me interessar mais pela Evolution em si, e criou uma certa paixão pelo clima que eu via nos videos. A dedicação, a seriedade que tinha naquilo. Eu sempre quis ser alguém com as coisas que eu gosto, as coisas que vi sobre a cena competitiva me fizeram seguir acreditando nisso e me criaram a vontade de um dia ser como as pessoas que eu assisti jogando naqueles videos.


Chegaste a enfrentar algum tipo de “barreira” em casa? Algo como os pais ou a namorada torcendo o nariz por dedicares tanto tempo “a esta porcaria de video game”?

Eu nunca tive problemas em jogar, mas as pessoas na minha volta sempre me disseram que eu levava aquilo com seriedade demais e achavam prejudicial para mim como pessoa, que eu precisava ser alguém na vida etc. Felizmente, todos aceitavam meu estilo de vida bem o bastante e depois de um tempo começaram a apoiar, mesmo que ainda preocupados pensando que eu levava aquilo mais a sério do que a "vida comum" que eu deveria estabelecer. Meu primeiro stick industrializado (Hori FS3) foi um presente de aniversário da minha namorada, que conheci jogando outros estilos de jogo, como Stepmania e Pump It Up. Ela sempre soube que eu sou muito dedicado a isso, então não tive problema algum nessa parte.


Por falar em tempo dedicado, mais ou menos quanto tempo tu treinas por dia ou por semana?

Em questão de dias, geralmente de 1 a 6, e depende de quanto tempo livre eu tenho: Em dias de semana, quando decido treinar mais a sério, são de duas a três horas de treino. Nem sempre sobra todo esse tempo, então posso também acabar jogando de 30 minutos a uma hora, que mal é o tempo do warmup. Quando paro para jogar aos finais de semana, pode variar de 2 a 6 horas no dia, mas raramente passo de 4 horas.


Tu segues algum roteiro de treinamento? Algo como primeiro treina combos, depois setups, etc

Minha rotina de treinamento varia do dia em que jogo: Eu não ando tendo tanto tempo quanto gostaria para jogar, então eu venho separando dias para jogar partidas, dias para assistir ou revisar partidas e dias para treinar e procurar novas estratégias ou setups, etc. Sempre rola um breve aquecimento, bastante freeform, eu diria. Começo praticando combos simples, parto para FADC's, links de 1 frame e tal, e vou "randomizando" a medida que sigo um combo com FADC, etc. Um exercício que eu costumava fazer é repetir o mesmo movimento (seja combo, setup...) 10 vezes para cada lado da tela. Se acertar 10 vezes, passo para o outro lado. Se errar, volto o contador a 0 e repito até conseguir.


Abel é teu personagem principal. O que te fez escolher e manter esse personagem?

No começo dos tempos de Vanilla aqui em Rio Grande, eu comecei com Sakura. Meu primeiro verdadeiro contato com Street Fighter foi com o IV, e eu jogava KOF e Quake antes... imagine o quão natural era para mim o ato de pular. Eu não consegui encaixar a Sakura no estilo que eu estava acostumado a jogar, e troquei para o Ryu, também por pouco tempo. Quando assisti as finais da EVO 2009, com Justin de Abel contra o Daigo de Ryu (Justin mal se mexeu na partida, por sinal), eu achei o personagem bastante interessante e similar em muitos aspectos a personagens que vi e usei em KOF: Ele tinha um Crack Shoot e o s.LK do Terry, o agarrão como Anti-Air do Daimon (Sempre detestei Daimon, mas mesmo assim) e Rolls. Ironicamente, eu nunca gostei de personagens com Command Grab, mas quando vi que o Abel não é um mero grappler, imediatamente troquei de personagem. Sempre acreditei que Abel é um personagem muito forte graças ao terror psicológico que ele causa ao oponente por apenas apresentar as armas que ele tem. A ameaça que o Command Grab representa para alguns muda totalmente a maneira que eles tentariam se defender e os tornaria previsíveis. Esses fatores, somados ao estilo do personagem e até mesmo o Voice Acting dele me ajudaram a decidir.


Na tua opinião quais são as maiores dificuldades enfrentadas por quem quer ser um top player no Brasil?

Honestamente, eu poderia fazer uma lista sobre isso. Primeiramente, o jogador precisa entender o que é um Top Player, quais as características que montam um Top Player. Na minha opinião, não é meramente ser um dos melhores colocados em competições de uma determinada área. Top Player é aquele que explora o jogo e a mentalidade do oponente, aquele que executa bem e tem capacidade de resposta ao que seus adversários apresentam. O conceito do que é um jogador realmente bom é confundido o tempo todo por quem é um Top Ranker, aquele cara que aparece e começa a se posicionar bem em algumas competições, a vencer uma quantidade maior de oponentes. Vencer constantemente em uma terra com cem mil novatos não significa, necessariamente, que você seja bom. Você pode ser considerado "top" na visão deles. Grande parte da cena brasileira enxerga um pico muito inferior do que o que realmente existe, e nesse pico imaginário eles acabam se estabelecendo.

É difícil um jogador ter capacidade de julgar a si mesmo como sendo um Top Player ou não, e geralmente essa avaliação é errônea. Ser um Top Player não é uma mera meta da qual você possa dizer claramente o quão perto (ou longe) realmente está. É uma daquelas coisas que você não encontra, mas só obtém procurando. A maioria dos que acreditaram poder afirmar isso foram apenas jogadores acima da média. O segredo para chegar ao topo é não determinar onde a jornada acaba. Talvez eu possa ser atualmente considerado um Top Player, mas certamente o meu método foi apenas almejar a evolução constantemente.


Quão difícil é conseguir patrocínio aqui no Brasil?

Essa é uma pergunta difícil, pois talvez eu mesmo não tenha me empenhado por isso pelo lado que não envolve apenas jogar. Talvez seja só uma das minhas barreiras de comunicação (sim, eu tenho algumas). O que posso imaginar é que talvez os jogadores de Fighting Games no Brasil ainda não tenham uma comunidade madura o suficiente para ser levada tão a sério, ou o jogo competitivo não tem tanta exposição. Na minha opinião, o jogador de Fighting Games atual sofre da reputação da cultura arcade mais antiga, que era ligada a drogas, a hostilidade, etc. Com a exposição atual é necessário ser um jogador notável em vários aspectos que vão além do nível de jogo, e isso também é reflexo da nossa comunidade que não é vista com a seriedade que alguns dela tem para jogar e se empenhar pela causa.


Costuma “trocar figurinhas” com outros jogadores, passar dicas para os que são menos avançados?

Sim, eu costumo trocar informação sempre que eu tenha algo a dizer. Não costumo me negar a responder algo desde realmente venha a ser produtivo. Seria bastante hipócrita da minha parte falar sobre a necessidade da cena competitiva crescer e impedir outros jogadores de evoluirem. Eu não costumo tomar a iniciativa porque pode parecer arrogante da minha parte para alguns, mas sempre tento tirar dúvidas ou opinar no que estiver ao meu alcance.


Que conselhos tu darias para quem quer jogar séria e competitivamente?

-Nunca aceitar perder para si mesmo. Não faz parte e não deve fazer.
-Nunca fique acomodado com seu jogo, é importante se manter sempre tentando desenvolver coisas novas e não deixando a visão de jogo estagnar.
-Estude o jogo de maneira apropriada: Você não precisa saber todo o Frame Data do jogo de cabeça para jogar efetivamente. Muito do que realmente falta para alguns jogadores faz parte do conhecimento geral do jogo, como punishes, otimização de dano de combos ou da situação que eles oferecem. Limite-se a ter total ciência do que você pode fazer dentro do "roteiro padrão" do jogo. Não importa saber que o ataque é -20 on block, importa saber o que pune ele melhor. Frame Data é algo que geralmente lhe permite saber esse tipo de coisa sem a necessidade de testes no Training Mode.
-Pratique sua execução regularmente: Não se contente em acertar algo que você precisa menos que 5 vezes consecutivas, independente da dificuldade.
-Observe partidas de jogadores de todos os níveis, mas principalmente, as partidas das quais você consegue entender a mentalidade nas jogadas. É mais importante você absorver informação do que acumular videos assistidos sem reconhecer o que acontece.
-Procure assistir partidas suas, procurar por hábitos no seu jogo e recriar jogadas das quais você tenha dificuldade para sair.
-Treinar muito não significa treinar bem: Tire o máximo de proveito das suas sessões. Procure pessoas de nivel de jogo similar ao seu, ou até um pouco superior. Procure alguém que possa te forçar a pensar e a sair do que já é de costume no seu jogo, e não dê muita importância para as vitórias. Na hora de treinar, o resultado que se procura é a evolução, e ela geralmente não está diretamente ligada à vitória, ou seja, ganhar nem sempre significa que você jogou melhor do que da última vez.


Quão longe tu achas que a FGC brasileira está da FGC internacional, em termos de nível de competitividade dos jogadores?

Quanto à FGC, eu acho difícil dizer, pois envolve o nível geral de jogadores que não conheço em locais onde não conheço a cena. Com o que sei, em comparação, eu diria que o Brasil tem alguns jogadores acima da média mundial, mas o nível geral de um lugar como o Japão, por exemplo, é quase na barreira que separa os melhores jogadores do nosso país. As ligas formadas de jogadores pouco conhecidos internacionalmente por lá é repleta de jogadores que acredito serem capazes de oferecer grandes dificuldades para qualquer jogador daqui. 


Podemos seguir torcendo para ver o Keoma “saindo na porrada” com os gringos no EVO?

Acredite, eu torço por esse dia mais do que qualquer um. A Evolution por si só tem um grande peso no impulso inicial de tudo isso para mim, é um palco com o qual eu sonho. Hoje, a vontade é ainda maior, pela possível chance de conhecer e talvez até bater de frente com grandes ídolos que me inspiraram durante todo esse tempo.


Houve algum momento em que tu pensaste em mandar tudo pro espaço e largar as competições de FG?

Houve dois, um quando comecei a ter fortes dúvidas a meu respeito como jogador e sobre se todo o empenho que coloquei em tudo realmente valiam a pena. Não vi meios de evoluir e me questionei cada vez mais sobre seguir em frente, mas toda vez que eu sentava para jogar, eu tinha vontade de prosseguir. Não demorou muito para eu perceber que minha insatisfação não era exatamente com o jogo.

O outro momento foi quando comecei a cursar faculdade de engenharia no ano passado. Trabalhando e estudando, não estava vendo meios de treinar e senti que mal poderia manter o nível de jogo, isso sem contar o cansaço e o stress do processo. Eu considerei seriamente parar completamente de jogar, mas a medida que o tempo passou, acabei decidindo me dedicar ao máximo pelo jogo para participar do Regional RS do Treta, e consequentemente, para o Treta Armageddon. Também por outros motivos, pouco tempo depois resolvi abandonar o curso por não me identificar por ele.


Ainda é cedo pra isso mas, por acaso já andou pensando em quando vai “pendurar os controles”, ou isso nem passou pela tua cabeça ainda?

Eu jogo videogames a tanto tempo quanto consigo me lembrar, creio que o ato de jogar seja parte de mim, algo que até mesmo me caracteriza. Definitivamente, eu vou jogar enquanto o tempo me permitir. Parar de jogar, mesmo que casualmente, é algo que não se encaixa na minha realidade.


Agradeço ao Keoma por dispor do tempo, atenção e paciência pra responder essas perguntas. Vale dizer que algumas perguntas "nasceram" da minha própria cabeça doentia. Outras saíram da cabeça doentia de amigos ;)

Abraço, negada!

No comments: